Advertência da 29º edição
Vinte anos se passaram desde a publicação
da primeira edição desta obra. Quando, em 1862, jovem aluno-astrônomo no
Observatório de Paris, recebi do editor deste estabelecimento o convite para
imprimir minha obra primitiva, eu não me dava conta da repercussão que
rapidamente encontrou no mundo dos leitores. Por mais interessante que me
parecesse pessoalmente, a questão astronômica e filosófica da pluralidade dos
mundos não me parecia suscetível de cativar a atenção popular. O acontecimento
mostrou o contrário: vinte e nove vezes esta obra foi reimpressa na França
durante estes vinte anos, e foi traduzida para as principais línguas da Europa,
da Ásia e da América.
Depois deste lapso de tempo, pode-se
refletir um instante neste fato, menos individual do que parece. A astronomia
deixou de ser uma ciência abstrata, reservada somente a um pequeno número de
praticantes. Tornou-se popular, conforme a esperança formulada por Arago há
trinta anos, esperança que o engenhoso astrônomo não chegou a ver realizada.
Até então as pessoas consideravam esta ciência
como inacessível, e além do mais desprovida de interesse direto, digno
de prender útil e agradavelmente sua atenção. Hoje, começam a convencer-se de
que se enganavam. O conhecimento do sistema do mundo é acessível a todas as
mentes. O estudo do Universo é ao mesmo tempo interessante e importante.
Nenhuma ciência abre horizontes tão vastos e pode melhor encantar a alma
contemplativa que a bela, a divina ciência do céu. Nenhuma é tão indispensável
para formar uma instrução positiva, real, exata; pois sem ela, vivemos como
vegetais, sem saber o que nos faz viver, o que é esse sol cujos raios iluminam,
adoecem e fecundam este planeta, o que é esta Terra sobre a qual repousam
nossos pés, que forças a sustentam e levam-na pelo espaço, que leis regem os
anos, as estações e os dias; vivemos sem saber quais são esses outros mundos
que brilham acima de nossas cabeças, nem o que é o céu, essa extensão infinita
no seio da qual se passam e se sucedem as várias existências de todos os
mundos. A astronomia abrange, em seu estudo, o conjunto do Universo. Todos
entendem agora que é preciso ter pelo menos uma noção elementar desse conjunto,
para saber avaliar nosso mundo segundo seu justo valor, não mais tomá-lo como
centro e fim da criação, nem manter idéias falsas apoiadas há tantos séculos
sobre esta ilusão. Sem a astronomia, é impossível raciocinar, seja em
filosofia, em religião, ou mesmo em política. Pois o destino do homem não é o
mesmo se a Terra constitui sozinha o Universo, ou se ela não é mais que um
ponto imperceptível perdido no Grande Todo: o deus dos exércitos deixa de receber
piedosos holocaustos; a humanidade terrestre não é mais a única família do
Criador; o começo e o fim da Terra não
são O começo e o fim do mundo; em suma, os princípios que acreditávamos
absolutos são apenas relativos, e uma nova filosofia, grande e sublime,
ergue-se sozinha sobre o conhecimento moderno do Universo.
Sinto-me refiz, de minha parte, de ter
podido servir para inaugurar esta nova filosofia, tornando o estudo da
astronomia tão popular quanto possível. Desde a primeira edição desta obra, sempre
tive o cuidado de manter as novas edições ao coerente dos progressos constantes
da ciência. Ao longo das obras sucessivas persegui, ele ano em ano, segundo
diferentes pontos de vista, a solução da mesma tese, e vi com alegria que estas
obras não foram menos favoravelmente acolhidas que esta. Não experimento nenhum
sentimento de mesquinha vaidade, mas sim uma alegria profunda em observar que
os homens começam a ter a idade da razão, refletem, deixam pouco a pouco os
ídolos para se aproximar da Verdade.
Passar-se-ão muitos anos, séculos ainda,
antes que esta singular humanidade terrestre adquira totalmente o uso da razão,
antes que ela saiba se conduzir, antes que ela deixe de nos oferecer
espetáculos semelhantes aos que vimos se desenrolar em nossa própria pátria, há
apenas doze anos, e que continuam a se reproduzir por toda a humanidade
"civilizada", antes que ela se erga, enfim, acima da animalidade,
para tornar-se um pouco espiritual e manifestar gostos intelectuais. Mas,
quanto mais difícil é o progresso, mais enérgicos devera ser nossos esforços.
Trabalhemos, pois, de comum acordo para educar esta raça ainda bárbara, para
libertá-la do jugo da ignorância, para propagar em seu seio as sementes da
verdade e do bem, e para multiplicar o número daqueles que, saindo do caminho
estreito, conheçam outra coisa que não os apetites materiais e sintam
desenvolver-se em si uma alma responsável chamada a destinos superiores.
Camille Flammarion, Paris, 1882